Capítulo 16, Marcas

16

   Acordei cedo durante toda a semana, e ao invés de ir pra aula como o habitual, ia direto para o hospital. A cada horário de visita, entrava no quarto, e conversava com Victor, mesmo sem receber resposta alguma. Eu me sentia fraca. Nunca me rotulei como uma pessoa forte, mas naquele momento, vendo a pessoa que eu mais amava daquele jeito sem poder fazer nada, me senti muito mais fraca e desprezível do que o habitual. Muitas vezes imaginava o que Victor me responderia a cada vez que eu falasse com ele, imaginava grandes diálogos, apenas para não morrer a míngua e garantir-me que a esperança não iria embora. Tudo o que eu queria era que as coisas melhorassem, que Victor levantasse daquela cama bem. Eu estava morrendo aos poucos, nada na minha vida fazia mais sentido, estava totalmente perdida. Eu não podia perder Victor, não podia perder alguém a quem amava tanto de novo. Flashbacks dos últimos suspiros de meu pai me vinham à mente como flechas, tornando as coisas ainda mais difíceis. Mas as coisas estavam por tomar um ponto final, eu sentia isso. Só me assustava não saber se era o final que eu esperava.
    Já era domingo, e como o resto da semana acordei bem cedo e fui até o hospital, levando comigo minha bolsa com celular, dinheiro para comida e uma foto minha e de Victor com uma palheta para por ao lado de sua cama. O hospital estava um pouco tumultuado, parece que haviam ocorrido mais acidentes, e mais pessoas estavam sendo internadas. Sentava-me na mesma cadeira todos os dias, esperando por notícias boas. Olhei ao meu redor e vi cenas que não ajudaram em nada a melhorar o dia. Uma mãe estava desesperada porque acabara de descobrir que o filho de dez anos estava com câncer. O que mais me indignava era que com tanta gente lutando pela vida, (inclusive Victor) havia um homem sendo internado porque tentou se matar bebendo um gole de soda caustica. E o problema que o fez fazer isso? Sua namorada o havia traído. Aquilo me soou como zombaria.
    Primeiro horário de visitas, 10h00. Vi o carro de Willian estacionar na frente do hospital. Quando ele entrou, reparei coisas que não havia reparado ainda. Willian parecia ter envelhecido dez anos na última semana. Ele não era do tipo de cara que põe pra fora o que sente, ele guarda pra si, o que é pior, e só o abate cada vez mais.
    -Você já está aqui.
    -Desde as 7h00.
    -Se Victor não casar com você ele é muito burro.
    Eu apenas ri forçadamente. Esse era o jeito de Willian dizer “me socorre”, ele queria rir de alguma coisa, para que algo arrancasse dele aquela dor.
    A enfermeira se aproximou.
    -Vocês já podem entrar.
    Fomos até o quarto, Catarina já estava lá, pois durante a semana inteira ela dormiu no hospital como acompanhante de Victor. Victor usava algumas sondas a mais. Os médicos estavam esperando o momento propício para realizar a cirurgia para retirar o coágulo. Victor já havia passado por duas cirurgias na perna esquerda, onde teve de por pinos, e uma no braço  esquerdo onde foi usado um pino. Sua perna estava enfaixada, seu braço também. Pus a foto e a palheta na mesinha ao seu lado, me perguntando se ele ficaria feliz ao ver aquilo quando acordasse. Willian levou Catarina para comer alguma coisa, e eu fiquei sozinha com Victor.
    -Bom, enfim sós. – Falei ficando ao seu lado, olhando em seu rosto mexendo em seus cabelos. – Estou morrendo de saudades. As coisas fora do hospital eu já não sei mais como estão, não tenho vontade de sair daqui, então eu realmente não saio. Seu pai disse que sua guitarra está te esperando do jeitinho que você deixou. – Uma lágrima solitária escorregou em minha expressão fria. – Eu estou aqui te esperando, do jeitinho que você deixou. Você não faz idéia do quanto está difícil, eu preciso de você Victor, eu preciso de você. Lembra quando te disse que o meu maior medo era perder alguém que eu amo? Então, eu não posso te perder, você sempre foi forte, seja forte só mais dessa vez e acorda. – Eu o abracei delicadamente com um braço. – Eu te amo Victor Mansfield, estou esperando você aqui, e sei que logo, logo vou poder ouvir uma resposta a tudo isso.
     Nas horas seguintes, as enfermeiras voltaram e tive que sair do quarto. Fui ao restaurante comer, voltei. Lara chegou no hospital, conversamos. Chegou o segundo horário de visitas. Entramos todos novamente. Saímos novamente. E nada acontecia.
     16h00, Anna foi ao hospital conversar comigo. Mas ela não estava sozinha, e para a minha surpresa ao seu lado vinha Julio, o garoto estranho que havia me parado a um tempão atrás pra me falar coisas sobre Deus. Ele carregava uma bíblia nas mãos. Anna sentou-se do meu lado, e Julio ao lado dela.
    -Oi Nat. – Seu olhar era piedoso.
    -Oi Anna.
    -Esse é Julio, meu amigo da igreja que comecei a frequentar essa semana.
    -Prazer Julio, sou Natalie.
    -O prazer é meu Natalie, acho que já te conhecia de vista.
    -Pois é. – Voltei-me para Anna - Não sabia que você estava indo na igreja.
     -Sim, eu estou. Na verdade não só estou indo na igreja como tomei a decisão mais importante da minha vida. Aceitei a Jesus Cristo como meu único Senhor e salvador.
     Aquilo estava me parecendo uma besteira sem fim. Mas tinha algo na voz de Anna que me passava uma paz, uma sinceridade. Não sei o que era. – Hum. – Foi a única coisa que consegui exprimir.
     -Fui pela primeira vez quinta-feira, eu estava meio abatida com tudo o que vinha acontecendo. Minha separação, o acidente de Victor, enfim. Foi aí que minha avó me convidou pra ir a igreja, eu estava confusa e não sabia mais o que fazer, então mesmo achando que ia ser perca de tempo fui a igreja. Não foi nenhuma perca de tempo, lá Deus falou comigo, eu pude sentir a presença dele, senti uma paz incrível e o peso que estava no meu coração parece que cessou.
    Deus falou com ela? Ok, agora ela deu pra ouvir coisas. Palhaçada, aquilo era besteira. – Onde você está querendo chegar com isso Anna?
     -Estou apenas querendo dizer que Deus pode ser a solução para os teus problemas. Eu sei que a dor que eu estava sentindo nem se compara com a dor que você deve estar sentindo agora, mas nenhuma das nossas dores se compara a de Jesus na cruz do calvário morrendo por nós. Só quero te dizer que se você por tudo o que você está sentindo aos pés da cruz, em uma simples oração Deus pode te ouvir e trazer alívio pra tua alma.
     -Anna, as chances de vida de Victor são poucas, eu tenho medo do que vem a seguir, o que eu sinto já não é mais problema nenhum. O problema é a vida de Victor, ela está em jogo.
    -Eu sei disso. Pedi para os irmãos lá da igreja orarem por ele. E quero que você saiba de uma coisa, eu creio no Deus do impossível, que tem o poder pra fazer milagres, que é especialista em causas impossíveis. Creio que Ele pode resolver isso, só precisa ter um pouco de fé. Você precisa ter fé que ele vai fazer, e pedir, ele te ouve.
    -Se ele sabe de todas as coisas, por que é que eu tenho que pedir?
    Dessa vez, foi Julio quem respondeu. – Porque Ele quer ouvir da nossa boca, Ele quer que você conte a Ele o que está se passando, isso demonstra que você tem fé.
    Aquilo não fazia sentido nenhum pra mim, eu não respondi nada, apenas fiquei pensando em tudo o que eles haviam dito. Eles notaram isso.
    -Bom, vamos deixar você pensar. É uma decisão sua, só peço que aceite o nosso presente.
    Julio me entregou a bíblia que estava em suas mãos. – Obrigado.
    -Eu te amo amiga, e eu sei que Victor vai ficar bem. Nós vamos indo pra reunião de oração na igreja. Até mais.
    -Até mais.
    Anna parecia adivinhar quando eu estava confusa e precisava ficar só. Sentei-me com a bíblia nas mãos. Tinha uma capa preta de uma material que parecia borracha. Era nova pelo jeito, tinha cheirinho de nova, e era bonita. Quando pensei em abrir a bíblia, Willian me chamou e eu guardei-a na bolsa. Catarina não estava passando bem, estava tonta, tudo indica que o cansaço estava agredindo sua saúde.
    -Nat, a Catarina não vai poder ficar a noite com Victor. Eu tenho não tenho condições psicológicas de ficar a noite inteira no mesmo quarto que o meu filho sabendo o estado em que ele está. Não sou forte pra isso. Quero saber se você poderia ficar.
    -Claro. – Eu queria, podia, eu devia.
    -Muito obrigado.
    -Não por isso, eu acho que é o meu dever.
    Ele apenas sorriu com os lábios cerrados.

    18h00, último horário de visitas. Vários amigos de Victor apareceram pra saber como ele estava, deixaram flores e bombons. Depois disso, era minha vez de ficar sozinha com Victor, minha noite de vigia.

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