Capítulo 3, Marcas

3

   Acordei com o rádio relógio tocando uma música linda, mesmo que não fosse meu estilo favorito. Aliás também não era o meu estilo ter um rádio relógio, mas eu tinha e adorava, porque cada dia acordava com uma música diferente.
   Levantei-me, estranhamente feliz, com um sorriso idiota no rosto, pus minha calça rasgada, a camiseta branca do uniforme da escola,  minhas pulseiras pretas, o colar com pingente de baquetas que a minha mãe havia me dado no verão passado, e meu all star vermelho. Feliz, em pleno primeiro dia de aula, e isso era esquisito demais se for pensar bem. Escovei os dentes, penteei os cabelos, e fiz minha maquiagem básica novamente. Fui até a cozinha, comi uns biscoitos, bebi um copo de suco de uva, peguei a mochila que já estava previamente pronta e fui pra escola. Encontrei Anna e Liza no caminho, e fomos caminhando juntas a passos largos.
   - Natalie você viu que abriu uma loja de música bem grande nova aqui na cidade? - Disse Liza com cara de espanto. - Eu estive lá esses dias só pra espiar, e o vendedor que me atendeu era tão lindo! É uma pena eu estar comprometida.
   - Acho que o David não ia gostar de te ouvir falando assim Liza. – Falei rindo. - Eu fiquei sabendo da loja nova, dizem que é muito boa.
   - Passei só pela frente dela. – Anna fez uma pausa, assumindo um ar pretensioso. - Natalie, por que você não vai lá dar uma olhada em novas baquetas, e já dá uma conferida no garoto? Vai que desencalha...
   - Eu vou lá sim, mas é porque eu realmente preciso de baquetas novas! Estou ficando com medo de quebrar as minhas personalizadas. – Disse irritada, afinal sendo encalhada ou não, essa não era uma preocupação real minha.
   Sim eu tocava bateria, e nos últimos anos, descarregava todos os meus sentimentos e frustrações nela.
   - Tudo bem, não está mais aqui quem falou. – Disse Anna mudando de assunto. – Mas me digam, o que estão esperando do último ano na escola?
   - Que seja melhor do que o segundo, – Disse Liza. – porque eu passei raspando nos exames finais.
   - E eu espero que não sejam os mesmos professores, alguma coisa tem que mudar.
   Encontramos o resto da classe, rindo e brincando, contando suas inesquecíveis férias, ou simplesmente reclamando por não terem feito o que de fato desejavam. Sentamos bem no fundo da classe, como de praxe. Desde o início aula foi simplesmente uma chatice, aquela mesma coisa de todo início de aula, conhecer melhor os colegas novos, os professores novos, apresentações... clichês, clichês e mais clichês. E pra ajudar, de cara as matérias eram química, matemática e geografia. Tinham alguns alunos novos, mas a maioria já me eram conhecidos, o que me proporcionou a felicidade de rever os velhos amigos, e por as risadas em dia.
    Algumas falações, e assuntos aleatórios e logo o sinal do intervalo soou, seguido de música. A primeira da lista fora aquela que havia escutado no rádio relógio logo ao acordar. Escorei-me na parede, assistindo meus pensamentos acompanharem o ritmo da música.
   - Natalie... Natalie... NATALIE!
   - Ai, o que foi Daniel? – Esbravejei frustrada.
   -"O que foi?" pergunto eu! Você estava totalmente fora de órbita!
   - Estava apenas pensando, não posso mais? – Disse com um sorriso irônico, mexendo no boné que ele usava na cabeça. – Cabeça não é só pra usar boné, serve pra isso também.
   -Tudo bem não falo mais nada, eu me rendo. - Disse esboçando um sorriso amoroso.
   Daniel era um dos meus amigos mais chegados, além de colega. Ele era um garoto atraente, sem dúvida alguma. As garotas da escola babavam por ele, algumas até me mandavam bilhetes com seu número de telefone pra que eu os entregasse a ele. Na maioria das vezes ele os jogava fora sem nem pensar muito. Minhas amigas diziam que ele gostava de mim desde o começo do ensino médio. Não sabia se era de fato verdade, mesmo notando suas estranhas investidas de vez em quando.
   Na volta do intervalo, a aula seguia na mesma . Mas eu, Liza, Anna, Daniel e Scooter (outro amigo nosso, que ganhou esse apelido por causa do “The Muppets show", já que várias pessoas diziam que eles se pareciam. Maldade porque ele era bonito. O meu amigo, não o personagem), trocamos bilhetes a aula toda. Quando bateu o sinal eu fui pra casa, sozinha dessa vez, porque Anna e Liza iriam almoçar no centro da cidade. Mas foi melhor assim, sozinha, na minha própria companhia, eu conseguia por as ideias no lugar.
   Cheguei em casa, troquei a camiseta da escola pela camiseta da minha banda favorita, e fui almoçar. Mamãe já esperava a família com tudo posto na mesa.
   - Oi família. – Forcei um sorriso.
   - Oi filha, como foi a aula?
   - Foi normal mãe. – Verdade, normal até demais.
   - Tem meninas bonitas na sua turma? – Perguntou John. – Se tiver alguma me apresenta.
   Eu e mamãe não evitamos a risada, aquele pirralho estava ficando metido mesmo. Mas era o meu pirralho metido.
   - O que foi? Por que vocês duas estão rindo? – John fez cara de desapontado.
   - Pirralho, você só tem dez anos. As minhas colegas tem dezesseis, dezessete anos, não vão querer nada com você.
   - John você é novinho demais pra pensar nessas coisas. - Mamãe disse com aquele ar de mãe coruja capaz de constranger qualquer um.
   - Você mesma disse que eu já sou um homem. – Certo em suas convicções como sempre.
   - Eu disse um "homenzinho". Aproveita a sua infância pra depois se preocupar com as outras coisas, é cedo demais ainda.
   - E por que a Nat não arruma um namorado? Já está passando da hora dela arranjar um.
   - Porque não é da sua conta pirralho, – Falei um pouco transtornada. – quando você crescer quem sabe você entenda.
   - John, as coisas não são assim as mil maravilhas como você pensa, – Minha mãe falou, com propriedade no que estava dizendo. – quando você crescer vai entender.
   John esbravejou na hora, mas logo em seguida se acalmou. Era sempre assim.
   Comemos e conversamos sobre diversas coisas, foi um almoço em família agradável. Terminei de comer já era uma hora da tarde. Fui tocar um pouquinho pra não perder a prática, quando percebi que uma das minhas baquetas personalizadas estava com uma rachadura, e resolvi guardá-las com medo de que o pior acontecesse. Peguei um pouco de dinheiro com minha mãe, e decidi ir até a loja nova comprar novas baquetas, afinal, as minhas personalizadas precisavam permanecer inteiras. Dei uma olhada no espelho pra ver se estava tudo certo, e digamos que gostei do que vi, estava tudo certo. Pus os fones de ouvido bem altos e saí caminhando aproveitando o clima gostoso que fazia.
    Quando cheguei na porta da nova loja, achei tudo o máximo porque ela era sem dúvida bem maior  e estilosa do que as outras que haviam na cidade. Tinha uma parede cheia de guitarras de todos os estilos e marcas. Na outra parede tinham vários violões e contrabaixos, e ao chão, alguns teclados. E mais no canto esquerdo, duas baterias acústicas montadas, umas três eletrônicas e alguns instrumentos de percussão. Ao lado direito da porta de vidro ficava a vitrine, com vários outros instrumentos. No balcão de vidro ao lado esquerdo da porta, ficavam as peças menores, como baquetas, cabos, fones de ouvido, microfones, pandeiros, meias-luas etc. E em um outro cantinho ficavam os amplificadores, cubos e caixas de som. A loja era bem decorada com quadros de músicos e cantores famosos, principalmente figuras caricatas do rock e suas vertentes (Ozzy Ozbourne, Elvis Presley, Axl Rose, Zakk Wylde, entre outros). Tinham algumas miniaturas de instrumentos e até mesmo uma vitrola se destacava em charme e elegância no meio daquela perfeita decoração. Me distraí dando uma conferida nas baterias eletrônicas.
   - Boa tarde moça bonita, em que posso ajudar?
    Eu conhecia aquela voz que vinha de trás de mim, mas não queria acreditar. Virei-me totalmente cética. Era ele. Era Victor na minha frente com o seu sorriso deslumbrante. Era ele o atendente bonito de quem Liza falava, agora tudo fazia sentido. Meu coração palpitou mais forte, era mesmo inacreditável, por um tempo fiquei meio sem reação e tudo o que saiu da minha boca foi;
    - Ah Victor, oi. – Com a voz um pouco trêmula.
   - Pelo jeito não esqueceu o meu nome, já é um bom começo. – Um sorriso de moleque levado surgiu em seu rosto. Eu apenas ri, consentindo.
   - Então Natalie o que procuras em nossa loja?
   - Pelo jeito também não esqueceu meu nome, fico feliz. – Falei rindo, tentando não parecer tão encabulada quanto de fato estava. – Estou procurando por novas baquetas, as minhas estão prestes a quebrar e eu não quero que isso aconteça.
   Ele riu como um gesto de incredulidade – Então você toca bateria?
   - É, eu tento.
   - Toca bem?
   - Bom, depende de quem ouve, meus vizinhos não curtem muito. - Eu estava tentando me soltar, com todas as minhas forças.
   Ele riu novamente, como se soubesse exatamente como é. Sem dizer mais nada, ele pegou uma das guitarras expostas, conectou o cabo em um amplificador, pegou um par de baquetas e me entregou.
   - Quero ver o que você sabe fazer. – Falou apontando para uma bateria acústica montada ao meu lado. – Pela sua camiseta, deduzo que goste de Skillet, não é?
   - Como você adivinhou? – Falei ironicamente. – Sim, digamos que curto até demais o som deles.
    Ouvindo isso, ele começou a tocar na guitarra o solo de “Better than drugs” uma música da Skillet, e me lançou um olhar desafiador. Sentei no banquinho da bateria, e fiz o que sabia. Por diversas vezes eu já havia tocado aquela música, mas nós dois tocando juntos tínhamos uma sincronia que eu nunca havia visto antes, nunca havíamos tocado juntos, mas a música saiu perfeita. Ele tocava extremamente bem, era um guitarrista sensacional, com certeza fruto de anos de prática. Ou de algum dom sobrenatural. Fico com a primeira opção. Ele ainda cantava muito bem, pois cantou a música toda com uma afinação impecável. Não pude me conter nas horas em que havia dueto tive de cantar junto, e pelas suas expressões ele estava gostando, pelo menos não demonstrou o contrário. Havia uma sincronia simplesmente surpreendente em tudo.
    - Você toca muito bem mesmo, sério. – Disse ele com um ar de impressionado. Eu achava incrível como seu rosto entregava todos os seus sentimentos, e em suas expressões podia ver a sinceridade. Ele se aproximou, ficando frente à frente comigo. – E canta muito bem também, sua segunda voz saiu totalmente harmoniosa.
    O garoto que eu admirei por dois dias inteiros me fazendo elogios? Eu definitivamente não podia acreditar.
    - Muito obrigada, mas eu é que devo dizer isso de você. Você simplesmente me impressionou, canta e toca maravilhosamente bem.
    - Capaz. – Ele olhou pra baixo meio sem jeito, fazendo uma pausa. - Mas então, meu pai queria que eu arranjasse alguém pra fazermos um som a tarde aqui na loja.
    - Calma, seu pai é o dono da loja? – O interrompi.
    - É sim. Mas eu estava cá pensando e... Você não quer tocar comigo aqui às tardes? Meu pai paga bem, ele falou que está disposto a pagar bem, ele só quer que façamos um som pra chamar a clientela.
    - Eu, eu, ehh - Gaguejei numa mistura de surpresa e nervosismo. - adoraria, só precisaria conversar com minha mãe antes, mas acho que não teria problema algum, é só à tarde, não iria atrapalhar em nada.
    - Tudo bem então, me dá seu numero e eu te ligo pra ter certeza de que você vai voltar. – Ele fez uma pausa, procurando seu celular, até encontrá-lo. - Mas, por curiosidade quantos anos você tem? – Não sei por que, mas eu via um certo interesse de sua parte, seu rosto era mesmo muito expressivo.
    - Eu tenho dezesseis anos, e você?
    - Tenho dezenove... acho que formaremos uma bela dupla.
    - Também acho... - Consenti, evitando olhar diretamente em seus olhos pra que ele não notasse o quanto eu estava ficando sem graça. - Mas enfim, e as minhas baquetas? – Não queria cortar o papo, mas eu realmente precisava das minhas baquetas.
     - São essas que você está segurando. Essas são as melhores que temos, mas se você preferir com ponta de nylon também temos.
    - Não, imagina, essas estão ótimas, parecem bem resistentes. Quanto custam?
    - Pra você? Nada, é cortesia da casa. – Ele deu de ombros.
    - Para de brincadeira Victor, quanto custam as baquetas?
    - Já disse, é cortesia da casa, você só precisa me prometer que vai voltar. – Novamente aquele sorriso levado invadiu seu rosto.
    - Me desculpa, mas eu não posso aceitar. – Neguei com a cabeça.
    -Natalie, – Falou ele, segurando a minha mão me fazendo estremecer. – aceita, é um presente meu.
    - Tudo bem, eu aceito, - Falei relutante. - se não tiver problema nenhum.
    - Claro que não, fica tranquila. – Disse ele soltando a minha mão devagar, enquanto eu acompanhava seus movimentos com os olhos, evitando ainda encontrar seu olhar. – Só me passa seu número, por favor.
    - Claro. –Peguei um papelzinho do balcão e uma caneta, anotei meu número e o entreguei. – Pronto moço. Creio eu que minha mãe vai concordar.
    - Tomara, quero muito tocar com você outra vez moça bonita. - Disse ele sorrindo.
    Ao ouvir essas palavras, vi meu coração transbordar de esperança e meus lábios não contiveram, e abriram um extenso sorriso.
    - Também quero muito. Mas, eu vou indo pra casa, se tudo der certo nos vemos amanhã. – De fato não queria ir pra casa, mas precisava, não queria que ele pensasse que eu era um tipo de louca parada no meio da loja o observando. Por mais que isso me parecesse uma boa ideia.
    - Tudo bem, – Falou ele com uma cara entristecida, que acentuava ainda mais o seu gênero cara de pau. – mas vai dar tudo certo e nós vamos nos ver amanhã, você verá.
    -Tomara. Mas então... é... – Gaguejei sem graça e sem reação, procurando algo de interessante a dizer, mas nada me vinha em mente, bem meu tipo. – Até mais.
    Ele estendeu o rosto, e me deu um beijo na bochecha, e foi aí que notei o quanto ele era perfumado.
    -Tchau moça, nos vemos amanhã.
     Eu apenas sorri, acenei, e saí da loja como se pudesse sentir o beijo de Victor latejar em mim. Dei uns dez passos, quando meu telefone tocou no meu bolso. Estranhei o fato de ser um número desconhecido.
    - Alô?! - Atendi sem esconder o tom de curiosidade.
    - Era só pra ter certeza de que você não tinha me dado um número falso.
    Parei e olhei para trás, e avistei Victor na porta da loja, com o telefone na orelha exibindo seu belo sorriso. Sorri de volta da forma menos sem graça que podia.
    - E por que eu faria isso?
    - Ah vai saber né?
    - Bom, agora você viu que eu não fiz isso. Não sou esse tipo de garota, se eu não quisesse te dar meu telefone, eu simplesmente não te daria.
    Ele riu.
    - Ah, então você queria me dar seu número?
    - Talvez. – Falei com uma cara de pau incrível, que eu pensava não ter herdado do meu pai. Pelo jeito estava enganada, a palavra simplesmente saiu da minha boca, como se tivesse pulado. Fiquei um pouco apreensiva, com medo de ele sei lá, ter uma idéia errada de mim. Sempre fui espontânea, mas cara de pau não.
    - Bom saber disso. - Pessoas passaram a sua frente na porta, adentrando na loja -  Tudo bem vou ter que desligar mesmo não querendo. – Mesmo não querendo? Aquilo foi o suficiente pra toda a apreensão passar. Recuperei a confiança e reencontrei forças pra responder.
    - Tudo bem, beijo. Te vejo amanhã!
    - Beijo moça, fica com Deus.
    E ao ouvir isso desliguei o telefone, dei um último sorriso pra ele, virei-me e fui embora. Estava sorrindo feito uma boboca, e não acreditava que estava vivendo mesmo aquilo, por mais que não tenha sido nada demais pra mim significou muito. Foi só... Estranho.
    Cheguei em casa, minha mãe estava varrendo a garagem.
    - Filha preciso de ajuda, você pode tirar o pó dos móveis pra mim por favor?
    - Claro mãe, – Falei sorridente. – Sem problemas.
    - O que aconteceu? Viu um passarinho verde? – Mamãe disse sem parar de varrer, mas com os olhos apreensivos.
    - Azul, – Falei baixinho e despretensiosamente.  – tinha olhos azuis.
    - O que? – Ela parou de varrer, e segurou a vassoura nas mãos com olhar de indagação.
    - Não, nada mãe. – Aquele me pareceu um momento propício para mudar de assunto. - Mas então mamãe, tenho novidades! Recebi uma proposta irrecusável hoje na loja nova de instrumentos, eles me ofereceram dinheiro para tocar bateria junto com um garoto guitarrista às tardes.
    - Que ótimo filha! Mas isso não vai te atrapalhar nos estudos?
    - Claro que não mãe, eu estudo pela manhã, e os trabalhos posso fazer nos finais de semana. – Fiz uma pausa, esperando ouvir algo de positivo, mas recebi apenas um silêncio frio. Hora de apelar. - Mãe por favor, é irrecusável, e qualquer coisa você pode ir ali na loja quando quiser. Deixa por favor mãe, é o que eu gosto de fazer.
     - Ok, por mim tudo bem, confio em você, e fico feliz em ver você sorrindo desse jeito. – Ela sorriu ternamente.
     - Obrigada mãe! – Falei dando um pulo em direção ao seu abraço. – Você não sabe o quanto isso é importante pra mim!
     Peguei um paninho, e pus-me a tirar a poeira dos móveis da casa. Terminei de tirar o pó e fui arrumar o meu quarto, na verdade, o meu armário que estava uma bagunça. Arrumando as minhas coisas, achei uma foto minha antiga com meu pai no parquinho perto de casa. Comecei a lembrar das nossas brincadeiras, dos nossos passeios, dos abraços aconchegantes que ele me dava assim que chegava do trabalho exaustivo. Eu não conseguia aguentar tanta saudade, e não podia mais nem por pra fora o que eu sentia. Não conseguia mais chorar. A fonte havias simplesmente secado, depois de tanto ficar sem dormir por noites chorando, soluçando e com dor de cabeça. Mas o fato é que o meu choro também não iria trazer ninguém de volta. Eu não podia apagar aquela marca de mim, eu tentei inúmeras vezes, mas não podia. Voltei a realidade, guardei a foto, me recompus tentando dar um tapa nas memórias e pus-me a arrumar o que restava. Terminei de arrumar tudo já eram quase seis da tarde.
     Tomei um longo e demorado banho. Depois peguei minhas baquetas novas, e fui tocar “Better tha drugs” novamente, tentando reviver tudo aquilo que havia vivido dentro da loja de música. Apenas tentei, porque era impossível, assim como era impossível descrever o que eu sentira enquanto tocava com Victor. Eu estava feliz e empolgada com a história de vê-lo todas as tardes. Não via a hora dele me ligar pra eu poder contar-lhe tudo. 
    Meia hora depois, enquanto estava testando meu pedal duplo, o telefone tocou. Subitamente senti o coração acelerar e o ar faltar. O grande mal dos ansiosos. Me atirei na cama com o celular na orelha.
    - Alô?!
    - Oi, estou procurando a garota mais encantadora que eu vi nessa cidade. – Sua voz era doce, suave e ao mesmo tempo masculina. Uma mistura perfeita.
    - Ah é e como é o nome dela? – Parece bobagem, mas eu tremia, minhas mãos suavam frio e eu sentia meu estômago embolar.
    - Natalie Lewis. - Meu estômago naquele instante deu um nó, junto com a minha garganta. O sorriso foi a única reação espontânea naquele instante.
    - Nossa, então eu acho que você não está aqui a muito tempo, e não viu muitas garotas também. – Falei incrédula, mas de certa forma, feliz. Muito feliz.
    - Por que me dizes tal coisa? - Essa sua mania de imitar um lorde inglês era um charme, eu tinha que admitir.
    - Pra dizer que Natalie Lewis é a garota mais encantadora da cidade, ela deve ter sido a única que você viu.
    - Pra falar a verdade, estou aqui faz um mês, e vi muitas garotas, mas ela sem dúvida foi a que mais me chamou atenção.
    Definitivamente tinham muitas coisas erradas naquela cena. Primeira; eu nunca havia ficado daquele jeito por um garoto. Segunda; ele havia gostado de mim. Terceira; eu me sentia estranhamente feliz e realizada por isso.
    - Ah é? E por que exatamente?
    - Porque ela é bonita, espontânea, e mostra uma sinceridade no olhar e nas palavras que é surpreendente, gostei muito de tê-la conhecido.
    - Hum, bom saber disso. - Minha reação interna era como uma explosão de fogos de artifício, mas isso foi o melhor que consegui por pra fora. - E eu fiquei sabendo que ela também gostou muito de ter conhecido você. – Os vestígios da cara de pau que meu pai costumava ter, pareciam mesmo ter sido herdados por mim depois de dezesseis anos. Sorri ao pensar nisso.
    - Hum, e ela falou o porquê?
    - Bom, ela falou que amou ter te conhecido porque você é um garoto que tem um bom gosto musical, que é espontâneo, extrovertido e um pouco cara de pau.
    - Cara de pau, eu?
    - Sim, mas ela falou que gosta disso em você.
    - Ah então tudo bem, pode ser que eu seja mesmo cara de pau. Mas agora chega de fingir para tentar fugir de mim, eu sei que você é a Natalie.
    - Droga, você me pegou.
    - Pois é, nada passa despercebido por mim. – Ele parecia eufórico, não fez nem pausa para então me indagar. - Mas então, conversou com sua mãe?
    - Sim, conversei.
    - E o que ela disse?
    - Ela deixou! – Falei com uma entonação entusiasmada, porque de fato eu estava.
    - Que ótimo! Meu pai adorou a ideia de ter uma garota tocando, porque assim dá mais credibilidade ao negócio. Não que os garotos não sejam confiáveis, mas as pessoas sempre confiam mais nas garotas, não sei porquê.
    - Porque nós realmente somos mais confiáveis... - Falei em tom de deboche - mas, que bom que está dando tudo certo.
    - Convencida nada né? - Ele soltou uma risada que parecia música aos meus ouvidos. - E por que você está tão empolgada? É porque você vai tocar e vai receber por isso, ou porque nós vamos tocar juntos? – Ele falava o que vinha na mente, já dava pra perceber.
    - Você é mesmo cara de pau hein?
    - Eu? Só te fiz uma pergunta, agora me responde vai.
    - Tudo bem, acho que o conjunto de tudo.
    - Hum, - Ele fez uma pausa como se digerisse a resposta. - e sabe por que eu estou feliz?
    - Por quê? - Perguntei imaginando as possíveis respostas.
    - Porque eu vou ter a oportunidade de tocar com a garota mais inacreditável que eu conheci nessa cidade. – E mais uma vez o mundo se enchia de cor a minha volta. Uma onda de felicidade me invadiu e a minha baixa auto-estima habitual deu lugar a uma confiança que surgira do nada.
    - Nossa, obrigada. - Sem reação, de novo. - Você consegue ser muito fofo quando quer.
    - Eu sei, eu consigo ser fofo só com quem eu gosto.
    - E você gostou de mim? - Congelei.
    - Muito, e desculpa se estou te constrangendo, mas eu não consigo controlar o que eu penso quando eu gosto de uma pessoa.
    De repente a insegurança voltara, a conversa estava fluindo de uma maneira que eu não esperava. Estava pondo um nível alto de esperança e empolgação em uma coisa que ele poderia não estar levando a sério. Mas assumi uma personalidade que nunca fez parte de mim. Lembrei do que papai dizia; “correr riscos às vezes pode ser bom pequena, você tem que ir a luta pra conquistar. Em tudo há riscos, se pararmos pra pensar desta forma, a vida vai passar e continuaremos sendo os mesmos bobões comendo cheetos enquanto assistimos aqueles programas chatos de domingo”.
    - Tudo bem, sem problemas. - Tentei achar uma zona de escape do assunto. - Mas então, me fale mais sobre você, eu quero saber.
    - Bom, meu nome é Victor Mansfield, nasci no dia doze de setembro de 1988, na cidade de Porto Alegre, no Rio Grande do Sul. Meus pais se chamam Willian Mansfield, e Catarina Mansfield, moro com os dois. Sou descendente de ingleses, meus avós paternos vieram da Inglaterra ainda jovens buscando uma vida longe da hierarquia, eram o que hoje podemos chamar de rebeldes sem causa. Com o tempo, meu pai, apaixonado por música montou sua primeira loja em Porto Alegre, depois de muito trabalho e economia. Hoje nós temos três lojas. Em Porto Alegre, aqui em Torres e em Santa Maria, aqui no estado também. Pronto resumi minha história, agora me resume a sua.
   - Bela história lorde, mas não sei se você vai querer saber da minha. – Falei com receio, minha história não era o tipo de superação que uma pessoa esperava ouvir.
   - Você cometeu algum crime?
   - Não Victor, que idéia!
   - Se não cometeu nenhum crime, não tem motivos para não me contar a sua história.
   - Tudo bem, já que você insiste, eu vou contar.
   Eu não sei o porquê, mas eu confiava em Victor mesmo sem conhecê-lo. E por esse mesmo motivo que eu não sei qual era, achei que ele merecia saber minha história.
   - Bom, meu nome é Natalie  Parker Lewis, nasci no dia vinte e seis de janeiro de 1991 nessa mesma cidade. Meus pais são americanos, moravam no Tenessee. Mas, sendo advogados, receberam uma proposta irrecusável em um escritório de advocacia em Porto Alegre. Assim eles vieram para o Brasil, depois de muito pensar. Depois de um tempo, em busca de tranquilidade para criar os filhos, eles vieram pra Torres fazer seu espaço com um escritório próprio. Meu pai faleceu quando eu tinha doze anos. Era um domingo. Eu, ele e John, meu irmão mais novo, fomos ao mercado e quando estávamos a caminho de casa e...
   Ao contar isso pra ele, comecei a me recordar de toda aquela cena e uma lágrima solitária escorreu em meu rosto, já que era a primeira vez que contara isso a alguém que não fosse da minha família. Sempre achei que ninguém precisasse saber. Ninguém precisava ter pena de mim. Mas conversando com ele, tudo foi saindo assim, no automático.
   - Me desculpa, você não precisa saber disso, vamos deixar isso pra lá. – Falei me sentindo meio sem rumo.
   - Natalie pode continuar, eu quero saber. Você precisa desabafar, e quero que saiba que pode confiar em mim.
   Respirei fundo, e senti que ele precisava saber e que eu podia confiar nele. Mesmo conhecendo ele a dois dias. Nada nessa história era normal, e eu me acostumaria com isso.
   - Tudo bem. - Respirei o mais fundo que me era possível. - Como eu falava, tínhamos ido ao mercado eu, ele e John que na época tinha cinco anos . E quando estávamos voltando ele começou a passar mal, e caiu subitamente no chão. Eu, uma criança de onze anos, me sentei no chão desesperada, segurei a cabeça dele que estava enfartando, na tentativa de ser útil. Comecei a tentar mantê-lo acordado e mandei John, que estava sem reação, buscar ajuda. Eu estava desesperada, quando sussurrando ele disse; “filha, papai te ama muito, diga a sua mãe e a seu irmão que eu os amo”. Senti seu coração perder o ritmo embaixo da minha mão direita. Essa cena nunca saiu da minha mente, me lembro como se fosse ontem. Isso é horrível, eu o amava mais do que qualquer outra coisa. Eu perdi o meu herói, em uma simples manhã de domingo.
   Pronunciando essas palavras, enxuguei minhas lágrimas, que se multiplicaram em meu rosto.
   - Eu sinto muito. – Ele falou com a voz meio sobrecarregada, mostrando compaixão. - Imagino o quanto tenha sido doloroso pra você.
   - E foi muito difícil. – Fiz uma pausa recuperando as forças. - Obrigada por me ouvir. E mais uma vez me desculpe, você não precisava estar aí ouvindo uma chata que conhece a dois dias falando das tragédias da sua vida.
   - Natalie não se preocupe com isso, se eu pudesse estaria aí te abraçando agora. Ele devia ser um cara incrível.
   - Sim, ele era. - Enxuguei as lágrimas que já haviam chegado no queixo. 
   - E o que aconteceu com o escritório?
   - Depois de um pouco recuperada, minha mãe com muita dificuldade tirou o nome “Nathan Lewis” do letreiro do escritório, e tocou o negócio. Agora tudo o que restou foi “Escritório de advocacia, Dra. Lindsay Lewis”.
   - Pelo menos, ela achou forças pra continuar.
   - Sim, minha mãe é muito forte. Hoje vivo com ela e meu irmão. – Fiz uma pequena pausa tentando cortar aquele clima pesado que eu mesma havia criado sem querer. - Mas, chega de falar de mim, vamos falar de você. Estás gostando da cidade?
   - Sim, ela é bem tranquila, íamos abrir a loja e voltarmos pra Porto Alegre, mas acabamos gostando daqui e ficamos. Você gosta daqui?
   - Gosto muito, pra lhe ser bem sincera.
   - Essa tranquilidade faz falta em grandes cidades. Mas mudando de assunto. Só por curiosidade, sua mãe fala bem o português?
   - Sim, ela fala. Meus pais aprenderam o idioma na marra quando vieram pra cá. O sotaque dela é meio engraçado pra quem não é acostumado, mas aos poucos eu vou ajudando ela, já que eu nasci aqui. Você fala inglês?
   - Um pouco. Não o inglês de sua mãe né, sou totalmente britânico. Você e seu irmão, falam inglês?
   - Sim, falamos. Em casa falamos sempre português, até pra não haver confusão depois. Mas quando eu era pequena, meus pais só falavam inglês em casa, assim eu aprendi o idioma. John tem aulas com a minha mãe, em algumas coisas ele ainda se perde um pouquinho, mas já fala fluentemente.
   - Você já foi pros Estados Unidos?
   - Sim, fui três vezes. Uma quando eu era recém nascida, outra quando eu tinha cinco anos, e a última quando tinha onze. Desde o incidente não fomos mais pra lá, ao invés disso, meus parentes tem vindo mais frequentemente. Você já foi pra Inglaterra?
   - Uma vez só, quando tinha quinze anos.
   - E você tem irmãos?
   - Eu tenho uma irmã mais velha, o nome dela é Lara, tem vinte e dois anos, mora em Santa Maria. Ela e o marido administram a loja do meu pai por lá.
   - Deve ser legal ser o mais novo. E você estuda?
   - Bom, nem sempre. - Ele riu, como se lembrasse das situações em que era chato ser o mais novo, mas não quis se prender ao assunto. - Vou fazer vestibular ano que vem eu acho, pretendo fazer arquitetura. E você?
   - Infelizmente ainda estou no meu último ano do ensino médio, mas quando me formar pretendo cursar medicina veterinária.
   - Então temos uma apaixonada por animais...
   - Sim, pena que o meu irmão tem alergia ao pêlo de cachorro e gato, por isso não podemos ter um bichinho.
   - Que chato isso. Também adoro animais, tenho dois labradores.
   - Eles devem ser lindos, labradores são lindos e carinhosos.
   - É eles são, mas não mais do que o dono. – Ele era muito convencido, mas sabia que no fundo, aquilo era apenas uma tentativa de me tirar do sério.
   - Ah, convencido. – Minha voz tomava um tom irônico e brincalhão.
   - Não sou convencido só acho que existe apenas uma coisa mais bonita do que eu no mundo.
   - Ah é lorde marrento? Posso saber o que excede a beleza do mr. universo Victor Mansfield?
   - Você. – Aquilo soou como música. Eu não esperava por aquela resposta, muito menos de forma tão direta. Aquela confiança voltou inesperadamente como um relapso de memória. Senti-me feliz. E estranhamente encabulada.
   - Você está me deixando muito encabulada. E, eu tenho espelho Victor, não precisa usar da gentileza inglesa comigo, ele desmente seus elogios.
   - É, mas o seu espelho nunca deve ter reparado os seus olhos esverdeados refletindo a luz do sol, nem a forma graciosa como o seu cabelo se movimenta. Nunca deve ter reparado o seu rosto delicadamente desenhado, ou seu sorriso contagiante, nem o seu jeito quando fica encabulada. - Sua voz ganhava um tom mais suave e sincero. - Muito menos, no brilho dos teus olhos quando encontram os meus.
   Meu coração disparou naquele momento. Fiquei pensando em como ele havia reparado em tudo isso. Ele era extremamente detalhista e observador, mais coisas que eu admirava em uma pessoa. Meu coração não se acalmava de modo algum, e um longo suspiro silencioso saiu.
   - Nunca alguém falou dessa forma comigo.
   - O que foi? Não gostou?
   - Muito pelo contrário. Só me pergunto uma coisa... Como você sabia que eu não tinha namorado? Por que você nem perguntou.
   - Simples, porque todas as vezes que eu te vi, você estava sozinha, e se eu tivesse uma namorada linda como você, estaria sempre ao seu lado.
   - Ingleses e seus galanteios. 
   - Ei, não me compara aos ingleses. Eu sou único, sou "O" inglês.
   - Sua modéstia é admirável. - Soltei uma risada espontânea.
   - Sempre. – Seu tom de voz mantinha seu orgulho. - E você já namorou alguma vez?
   - Na verdade, não, nunca namorei. Nem assumidamente, nem escondida. E você com essa lábia e essa beleza já deve ter tido várias namoradas, não é?
   - Só tive uma, durou dois anos, mas ela não me amava mais, e então nós terminamos.
   - Poxa, que chato. – Não sabia o que achar mais estranho, se era o fato de com esse charme todo ele ter tido apenas uma namorada, ou se era o fato de essa garota conseguir deixar de amar uma pessoa feito Victor.
   - É, naquele tempo foi. Eu tinha dezessete anos, mas agora não faz mais diferença. – Ele parecia mesmo indiferente ao assunto. -  Bom, o papo estava ótimo, mas vou ser obrigado a desligar. Meu pai quer que eu o ajude a fazer os pedidos das guitarras novas. Te vejo amanhã.
   - Então tudo bem, vai lá ajudar o seu pai, amanhã nos veremos.
   - Beijo e até amanhã. Fica com Deus.
   - Beijo, até.
   E assim a ligação acabou, e eu fiquei me perguntando, como uma pessoa que eu acabara de conhecer já sabia tanto sobre mim? Victor me fascinava, e eu, em questão de dois dias havia virado simplesmente sua fã.
   Fui até o computador. Entrei em minhas redes sociais e fui me informar sobre o tal show. Se realizaria em abril, ou seja, eu tinha um mês pra conseguir o ingresso. Entrei em uma das minhas redes sociais e procurei Victor. Achei, e como uma investigadora criminal, vasculhei todo o seu perfil. Encontrei poesias profundas que eu nunca havia lido, videos de músicas e bandas muito boas. Dei uma espiada nas suas fotos, e tive a plena certeza de que ele era aquele tipo de beleza rara.
   - Quem é esse? – Eu dei um pulo da cadeira.
   - Ai que susto Anna! Nem te vi chegar. – Falei pondo a mão sobre o peito, aliviada.
   - Sua mãe disse que estava no quarto, e disse pra eu entrar e eu entrei. - Ela deu de ombros.
   - Ah sim. – Anna já era de casa.
   - Você não me respondeu a pergunta, quem é esse garoto? E que garoto lindo, meu Deus do céu. – Anna praticamente babou do meu lado.
   - É Victor, meu amigo. – Disse com expressão cética no rosto, tentando passar verdade no que eu estava falando.
   - Sei, amigo. Não foi bem o que os teus olhos me disseram.
   - Ai Anna, não enche o saco, andas vendo demais. – Fiz um pequena pausa. - Consegui um emprego.
   - Ah é? Vai trabalhar a onde?
   - Na nova loja de música, vou toca bateria às tardes por lá.
   - Vai trabalhar com o atendente bonitão que Liza falou? – A empolgação dela explodiu.
   - Victor é o atendente bonitão.
   - Ah, isso explica muita coisa.
   - Ele vai tocar guitarra comigo. Foi ele quem me propôs o emprego, ele é filho do dono da loja.
   - Aí Natalie, se deu bem.
   - Ele é só um amigo, Anna. - Dei de ombros.
   - Tudo bem, tudo bem. Bom, eu já estava de saída. Só estava indo pra casa da minha avó e resolvi te dar um oi. Então, oi.
   - Oi Anna.
   - Ok, beijos minha “little” vaca, até amanhã na escola.
   - “Kisses my big cow, I Love you. See you tomorrow.” – Anna odiava inglês, e esse era o principal motivo que me fazia falar em inglês com ela.
   - Dá pra falar a minha língua, por favor?
   - Beijos minha vacona, eu te amo. Vejo você amanhã.
   - Agora sim, te amo fedida, tchau. – Falou ela indo em direção a porta, saindo, e fechando-a atrás de si.
   Depois disso assisti a um filme com John, comendo pipoca e tomando refrigerante. Eu gostava de passar um tempo com o meu irmão, era divertido. Claro que não todo o tempo, porque a sua mania irritante de “eu já sou um homem” estressava. Logo após ver o filme com John, fui me deitar. Eram 22h00 e eu não costumava me deitar cedo, mas pensei que quanto mais cedo eu fosse dormir, mais cedo chegaria o outro dia. Antes de dormir ouvi uma seleção de boas músicas, revivendo pouco a pouco cada palavra que saiu da boca de Victor, imaginando como seria o dia de amanhã. Ouvi, a porta do quarto se abrir e estranhei.
   - Filha, vim dar um beijo de boa noite. – Mamãe estava parada na porta.
   - Nossa! Faz tempo que você não faz isso. – Olhei pra ela com expressão cética.
   - Eu sei, mas senti saudade de fazer isso. Boa noite, – Ela se aproximou e me deu um beijo na testa. – dorme com os anjinhos.
   - Boa noite, dorme bem mãe.
   Minha mãe sorriu e saiu do quarto, e eu sorri com a sensação de que as coisas estavam melhorando até em seus mínimos detalhes. Já não era sem tempo. E com essa sensação maravilhosa, peguei no sono.
   01h00, e o meu celular tocou em baixo do travesseiro como eu sempre o deixava. Acordei assustada pensando ter acontecido alguma coisa, porque isso não era comum. Quando peguei o telefone e olhei para tela, meu coração se desesperou, era Victor.
   - Alô?! – Minha voz rouca entregava o sono.
   - Oi Natalie, desculpa se eu te acordei, mas é que não resisti à vontade de ouvir sua voz, e te desejar uma boa noite.
   - Tudo bem, só me assustei um pouco com o telefone tocando. - Eu estava com dificuldade de assimilar as coisas, me senti meio tonta. - Mas já passou.
   - Mil desculpas, mas é que, não pense que isso é galanteio de um inglês conquistador barato, mas, a tua voz era a última que eu queria ouvir antes de dormir.
   Aos poucos eu estava começando a pensar, (pelas coisas que ele dizia) que ele sentia por mim o mesmo que eu sentia por ele. E me perguntava o tempo inteiro como aquilo era possível.
   - Victor, como você consegue?
   - Como eu consigo o que?
   - Ser tão encantador, e gentil.
   - Ai obrigado, eu sei que sou. - Sua voz ganhara um tom descontraído.
   - Convencido e marrento também.
   - Adoro te ouvir falando assim comigo.
   - Ah é, convencidinho? – Era inacreditável como ele tinha esse efeito sobre mim, as palavras sempre pulavam da minha boca quando conversávamos.
   - Sim, fico imaginando seu rosto falando assim, e deve ser mais lindo ainda.
   - Victor, estás me deixando sem graça. - Senti meu rosto queimar, enrubescendo aos poucos.
   - Pra mim, não importa o quanto tente, você nunca vai conseguir ser sem graça.
   - Obrigada por estar sendo tão meigo e gentil comigo.
   - Capaz, eu adoro te ver encabulada, fica tão linda.
   - Já me disse isso. - Eu ri, com a sensação de que estava sendo conquistada sem dó.
   - Eu sei, mas é bom repetir pra não esquecer.
   - Você é um doce.
   - Bom, dorme com os anjinhos e sonha comigo. Boa noite, beijos.
   - Sendo assim tão querido, não tem como não sonhar com você. Beijo, boa noite, durma bem.

Comentários

Postagens mais visitadas